Sergio Henrique Lopes Marques - Doctoralia.com.br
16 Jun
Menstruação que dói.

Endometriose e adolescência

Diversas doenças trazem consigo fortes estigmas para a mulher. Poucas, no entanto, são cercadas de tantas ambiguidades como a endometriose. A eventual possibilidade de estar diante desse diagnóstico é suficiente para gerar um medo muito grande. Medo da dor, medo de não conseguir ter filhos, medo de ter dificuldades para um relacionamento sexual saudável, enfim, medo de um impacto profundo e marcante na sua qualidade de vida, bem como, direta ou indiretamente, na de todos que com ela convivem.

As dúvidas sobre a endometriose são comuns na população feminina. Não é a toa que esta palavra está entre as 10 mais procuradas do Google, em pesquisas sobre a saúde feminina. Mas, o que é endometriose? Endometriose é definida como a presença de tecido endometrial funcional, constituído por glândulas e estroma, fora da cavidade uterina, seja em órgão anexos ou distantes do útero, seja dentro da parede do útero. Uma vez presente nessas estruturas, causam uma condição inflamatória, com desorganização estrutural e funcional. E, se não tratadas, tais condições se tornam crônicas e progressivas.

No entanto, apesar de ter sido descrita pela primeira vez em 1860, atualmente a endometriose ainda é uma doença de difícil definição. Isso porque seus sintomas estão diretamente ligados ao seu sítio de implantação. O resultado é uma gama enorme de quadros clínicos. Essa diversidade clínica, somada à compreensão parcial de como ela se desenvolve e a falta de um sistema válido de classificação, torna o problema ainda bastante confuso hoje em dia.

Tal qual suas condições clínicas, a quantidade de pessoas acometidas também é incerta. Sabe-se que pode variar entre os grupos populacionais e, também, entre as faixas etárias. A prevalência exata é desconhecida, mas estima-se que comprometa 4% das  férteis, sendo a maioria desses casos assintomáticos. Em outras palavras, significa  que existe a endometriose, mas ela não está causando nenhum dano para o organismo. Pelo menos por enquanto.

Esta taxa é muito maior em mulheres com infertilidade. Calcula-se que até 68% possuem a endometriose. Isso porque a endometriose pode impedir a gestação de diversas formas diferentes: compromete a fecundação quando obstrui as trompas ou compromete o desenvolvimento gestacional quando inflama o útero. O dano causado, nesses casos, tem ficado cada vez mais evidente com a evolução das formas de investigação por imagem, principalmente a ultrassonografia e a ressonância magnética.

Registra-se, no entanto, uma condição especial que merece bastante atenção. São mulheres jovens e adolescentes que apresentam dor, geralmente de forte intensidade, no período menstrual.  Investigadores concluíram que 69% a 73% dessas mulheres, quando não respondem ao tratamento da condição dolorosa com medicamentos, têm endometriose.

A condição de como essas mulheres podem ter desenvolvido a doença é bastante singular.  Nesses casos, os sintomas da endometriose começam juntos com os primórdios da menstruação, a menarca. A despeito disso, supõe-se que a origem da patologia ocorra muito precocemente em suas histórias, já nos primeiros dias de vida, sendo resultado de uma pequena menstruação que muitas crianças possuem logo após o seu nascimento. Essa situação é consequência direta da exposição aos hormônios maternos durante a vida intrauterina. Como em toda menstruação, pode ocorrer um fluxo retrógrado através das trompas, caindo células endometriais dentro da cavidade abdominal. Tal fato, somado a outros fatores, cria a condição necessária para a implantação de células endometriais na periferia do útero, ainda em estado de latência. Quando chega a adolescência e o consequente aumento dos hormônios femininos, essas células despertam e começam a proliferar, causando todos os processos que resultam nos sintomas da endometriose.

Nas mulheres acometidas, a dor menstrual ou dismenorreia é o principal sintoma. Essa dor é intensa e costuma interferir nas atividades diárias ou impossibilitá-las, não havendo melhora com o uso de analgésicos e/ou anti-inflamatórios. Classicamente, a dor da dismenorreia primária inicia-se poucos dias antes ou concomitantemente ao fluxo menstrual, diminuindo gradualmente e desaparecendo após o término do sangramento menstrual. A dor geralmente é referida como em baixo ventre, tipo cólica, com ou sem irradiação para coxas e para a região lombar. Tende a ser severa, progressiva, incapacitante e acompanhada de náuseas, vômitos, diarreia, cefaleia, entre outros sintomas.

 Outro sintoma que pode chamar a atenção, em pacientes que iniciaram sua vida sexual, é a dor durante o relacionamento íntimo. Essa dor é chamada de dispareunia e tem como característica específica  a  persistência mesmo após 24 horas do momento da penetração. Essa condição, com o passar do tempo, tem desdobramentos ainda mais marcantes. Há o desenvolvimento de uma verdadeira aversão, ou mesmo pavor, ao contato sexual, uma crescente sobrecarga sobre o relacionamento e sentimentos obscuros mútuos, tais como , culpa e vergonha.  

Faz-se necessário observar que estes sintomas estão coexistindo dentro de uma mulher ainda em formação que,  a exemplos dos demais adolescentes, tem se camuflado e comunicado cada vez mais através das mídias sociais (e não pessoalmente), o que também é verdade para os pais. Uma adolescente que está vivendo em um mundo frenético, onde o contato dentro da família tem ficado cada vez menor, onde as linhas de comunicação entre as gerações familiares estão se tornando precárias ou, até mesmo, conflituosas. Paradoxalmente, apesar das informações estarem disponíveis em cada smartfone, tablet ou computador, persistem ainda os diagnósticos  tardios, que têm como resultado complicações e sequelas crônicas e permanentes.

É necessário o envolvimento de pais e afins. Que estejam atentos aos sintomas. E que ofereçam a ajuda que essas meninas necessitam, o quanto antes.

Em suma, se você tem ou é alguém entre 9 e 25 anos de idade, que sofre de dor durante o ciclo menstrual, todos os meses, que necessita de medicações por via oral e/ou injetáveis, e, principalmente, que não apresenta melhora por meses e meses consecutivos, procure  o quanto antes auxílio com profissionais que estudaram a fundo a endometriose. Certamente, você poderá amenizar ou resolver o problema e melhorar sua qualidade de vida.

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